Argumento Ingênuo
Um dia, Samir pesquisou sobre a mina de Grasberg, e ficou escandalizado com a magnitude da cratera. O poro aberto em meio à Papua, explícito, quase pornografico, o tomou de sobressalto com uma grande tomada de consciência sobre o estado do mundo sobre o qual mantinha os pés. Essa pesquisa veio, é claro, a partir da leitura de um livro de um clube de assinaturas de uma determinada editora - meio lado B, meio intelectual demais -, que falava um pouco sobre essa mesma questão de que ele se dera conta. Vemos aqui, que o livro e seu autor fora portanto bem sucedido em sua empreitada de tornar mais conscientes seus leitores.
No entanto, Samir não foi o único que realizou essa pesquisa e tornou-se subitamente consciente do estado-do-mundo-sobre-o-qual-mantinha-seus-pés. De fato, uma porção considerável de leitores meio intelectuais, meio lado B, tinham realizado o mesmo percurso após ler o mesmo livro da mesma editora, e viram-se modificados após depararem-se com a fotografia da mina de Grasberg. Tantas pessoas, que acessavam o perfil em uma determinada rede dessa dita editora, recebiam e-mails através de um serviço de e-mail bastante conhecido dono também da remetida rede social, realizaram uma busca através de um mecanismo de pesquisa online cujo dono também era a mesma empresa das referidas redes/e-mails. Cada uma delas com suas epifanias, conversaram com outros amigos, que, interessados por terem eles também a epifania, pesquisaram em seus aparelhos celulares, no mesmo buscador dito anteriormente, o nome do livro, encontraram o clube, realizaram a compra, receberam e-mails, leram o livro, pesquisaram a imagem da mina de Grasnberg etc. Não se pode dizer que tenha sido um movimento gigantesco, mas as vendas do livro subiram expressivamente graças a esse mísero dado, e logo havia um fluxo grande de pesquisas sobre a mina. Quer dizer, grande quando pensamos em lado B, meio intelectual, mas ainda assim - havia um circuito em caminho. E essa mina era utilizada, em especial, para extração de materiais utilizados na produção de eletrônicos, de smartphones à cabos, ela alimentava a construção constante de um acesso à todos da informação. E o acesso de todos à informação é sempre mais de alguns que de outros. Através do aumento da pesquisa de imagens da mina, o rastro online deixado pelos usuários - localizados mais ou menos num mesmo país, com alguma conexão entre eles como a existência de uma editora igual mandando e-mails a todos, dentre outros detalhes - permitiu então uma ação muito simples por parte da empresa dona de todos estes serviços, que beneficia-se muito da existência da mina de Grasberg. Com uma pequena mudança nos algoritmos, algumas linhas de código modificadas no que concerne os resultados de pesquisa e visibilidade, o perfil da editora que publicou o livro tornou-se gradativamente e delicadamente invisível. E assim, não apenas evitou-se a venda e produção de mais livros, como também a quebra de um percurso de pensamento. A falência, inevitável, aconteceu por um bater de asas de uma borboleta bastante amarrada em diversas outras borboletas. Um grande moinho de vento invisível.
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