Rubrica

 (Um homem semi-nu deitado sobre uma folhagem bucólica, algumas poucas flores. Ao longe, ouve-se o som de água, talvez como um riacho, talvez como uma nascente. Olha delicadamente as próprias mãos, sem esforço na posição do corpo para tanto. A uma distância não muito considerável de seus pés, há um escorpião. O escorpião e o homem não se mexem, e não parecem intencionar mover-se antes de alguns séculos - existe uma sugestão de movimento escondida nos confins do universo, por trás dos músculos. Ficam ali parados: o homem não cria nenhuma relação com o escorpião, mas este cria uma relação não intencional com o homem apenas pela sua presença - uma ameaça sugestiva, silenciosa, erótica, a morte com as falanges prontas para uma carícia. O som da água é a única coisa que parece se mover, como a maioria das coisas que não se vê. Esta suspensão dura um certo tempo, o que se considerar suficiente, o que parecer o bastante, o que for preciso. Então, no gesto mais lento possível para um corpo humano, o homem vai se sentar vagarosamente, ainda olhando para as mãos, e, sem desgrudar os olhos delas, vai estendê-las em direção ao escorpião: um convite. O escorpião encrespa-se, vê-mos a calda armar-se enquanto as mãos se aproximam, mas nenhum dos dois finaliza o gesto. Estão agora presos nesta nova configuração, o homem olhando as mãos estendidas ao escorpião, o bicho ameaçado e cheio de morte. Quanto tempo são capazes de sustentar essa ausência de paz? É aqui que habita todo o desejo do mundo, e exatamente por isso, eles assim permanecem até hoje e até quanto tempo durar o universo.)

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