Contra o Mundo

Voltar a rosnar, voltar a demonstrar para todos a bela bosta de mundo que o mundo é, voltar a mostrar pros outros como somos todos uns cuzões escrotos, como não tem muito o que fazer mesmo, apontar os problemas das coisas e também de si mesmo, rir dessas coisas de forma levemente ofensiva, voltar a ser ácido e corroer tudo que puder, evitar a boa vizinhança mas parecer que não está evitando para pegar todos de surpresa, jogar coisas na cara das pessoas e surpreendê-las para que tenham a oportunidade de pensar melhor no que estão fazendo ou no que está acontecendo, fazer isso com uma grande velocidade e destreza, de forma a não doer muito, como quando se arranca um band-aid, voltar a ser cínico, desrespeitar o tempo das coisas e ser cruel, o capitalismo adquiriu a bondade e a gentileza, gentileza gera gentileza, voltar a perceber a aspereza do mundo e ser áspero de volta, mas ser áspero e se divertir com isso, poucas coisas no mundo são tão engraçadas como a tristeza, não falo sobre violência no sentido mais conhecido, mas sim no sentido mais amplo, ser violento e destruir coisas, a destruição é também criação, se vingar perversamente de quem está sendo escroto, rir dos poderosos e quebrar suas coisas, roubar dos ricos e dar para os pobres e depois roubar dos pobres que já agora se esquecem de ter sido pobres e que há outros pobres ainda, alegar legítima defesa em casos de destruição de propriedade privada, destruir as linhas retas e os instagrams bonitos, tornar-se hacker, ou ainda melhor, tornar-se terrorista virtual, destronar os influencers, destronar os influencers que destronaram influencers, destronar os influencers que se tornaram influencers destronando os influencers, gritar com o bom cidadão, sujar o chão e encher os muros de pixação, fazer música agressiva, depois reclamar da música agressiva que agora ficou soft, entrar pra academia e escrever artigos falando mal da mesma como se fosse algo revolucionário, apontar o dedo na cara de quem faz isso e também dos outros que não o fazem, fazer arte subversiva, criticar os que fazem arte subversiva, então vender ingressos para essa crítica, ser grande e generoso com todos os que não podem pagar, e permitir que eles vejam tudo online, no seu instagram ou canal ou portfólio que serve também para ser contratado, vigiar quem curte cutuca rebloga compartilha, responder alguns directs mas não todos que é pra não ser acessível demais, mas ser acessível o bastante para que todos sintam que tem chance, dar chance pra quem não merece e então puxar o tapete dessa pessoa, mostrar pro mundo todo o quanto essa pessoa é desprezível e sentir muita raiva quando ela conseguir o que você não consegue, e então desprezar esses feitos que até então eram teus próprios desejos como sendo algo menor, é muito fácil ser artista, é muito fácil ser engenheiro, é muito fácil estar dentro da máquina, gabar-se de ser bastante diferente de todos, seja falando seja agindo de um jeito incomum só pra causar, criar polêmicas e chocar os outros, falar sobre como você é um inadequado, ou ainda melhor, inadequar-se, ser admirado pela sua contra-cultura, tornar a contra-cultura a cultura principal e então ser contra a contra-cultura, um novo tipo de avantgard que de novo se repete, repetir o que já foi dito tantas vezes à exaustão como ironia afirmativa, dizer o que todos dizem de forma irônica e levada ao absurdo para que os outros percebam o completo lixo que dizem, ser levado a sério, encontrar com alguém que acredita que o que você disse é verdade, dizer a verdade, perceber que a verdade já não existe há um tempo e falar isso para todos como uma grande verdade, observar como os outros reagem a este incrível exemplar de sabedoria contemporânea e então criticar a contemporaneidade, mas também criticar o passado e a tradição, se legitimar como fora de tudo que isso que está aí, ser a mudança, perceber que talvez já não esteja fazendo o que desejava, criar uma armadilha para si mesmo da qual já não pode sair por que não tem mais discernimento do que parece certo e errado, afirmar então categoricamente que o certo e o errado não existem, viver a indefinição como uma honraria e depois desprezar tudo que é honroso, é tempo de ação, o pensamento é lento demais para o tempo, é tempo de agir, não podemos parar para avaliar nada disso, você já está atrasado, isso tudo já foi feito e agora estamos em outro lugar, como assim no seu tempo, do que você está falando, só existe o agora, a performatividade, viva o presente, viva.

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