Um bom prato

Estava pensando hoje sobre a mediocridade. Vendo um vídeo curioso de uma cantora antiga que não conheço mas que é famosa, notei que não havia nada de tão espetacular no trabalho, e que apesar de ser charmoso e peculiar, características que seriam o suficiente para retirar do vídeo o título de medíocre, comecei a pensar se eu não tinha atribuído estas características por quê o vídeo era de alguém supostamente notável. Essa pessoa é famosa, ou importante, e este vídeo que estou assistindo desta pessoa deve ter alguma coisa de interessante, não é mesmo? Afinal, o que faz com que se propague algo do tipo?
Então comecei a pensar em algumas coisas que já ouvi de pessoas que trabalham com marketing, como por exemplo: o preço do produto também está atrelado ao desejo das pessoas pelo produto. As pessoas desejam coisas caras, não apenas porque isso dá a elas o status social de quem pode adquirir esta determinada coisa cara, como também porque o fato de a coisa ser cara a torna valiosa, supostamente rara ou de acesso dificultado.
E isso me levou a pensar como, as vezes, entramos em um restaurante, pagamos uma fortuna por um prato de chef que talvez não seja tão bom assim, mas que o nosso paladar agora já não pode julgar. Não é absolutamente a mesma coisa comer algo em casa e em um restaurante cuja porcelana e móveis devem custar mais do quê eu recebo num ano, ainda que a comida seja a mesma. O meu paladar talvez tenha problemas em avaliar a qualidade das coisas, por quê há uma inferência de quê o que eu estou comendo tem algum valor superior a qualquer outra coisa.
Talvez aí eu comece a pensar que o sal excessivo seja intencional, quem sabe o chef não quer me fazer ter uma experiência gastronômica? E isso vale para absolutamente qualquer arte (e talvez mesmo para absolutamente qualquer coisa). As vezes, somos apresentados a coisas que não são necessariamente boas, mas que vem empratadas em porcelanas caras, ou atribuídas de um valor que alguém decidiu colocar, e nossa capacidade de julgamento se vê subitamente desnorteada, sem a capacidade primária de avaliar com clareza se esta coisa é algo excepcional ou não. Então, começamos a atribuir qualidades diversas, por vezes incomuns, para sermos capazes de colocar aquilo num patamar outro que não o medíocre.
Ainda que isso pareça ser um grande problema, me parece também que nestes momentos é que somos capazes de transicionar um pouco as percepções do mundo. Talvez, de fato, aquela música não seja muito boa com esse violino desafinado, mas de repente, pelo bom prato em que somos apresentados, começamos a pensar quem sabe um violino desafinado não seja uma possibilidade?, e então somos capazes de adentrar campos novos que talvez algum dia dêem grandes resultados.
Como reconhecer, então, se se trata de uma grande inovação ainda não explorada que eu me esforço para compreender ou de um prato medíocre que eu estou fazendo muita força para encontrar qualidades? Bem, aí é que está: não se reconhece. Isto não é algo que fazemos sozinhos, mas sim no mundo. Quantas vezes os críticos de arte nos disseram o que seria a tendência e estas nunca se concretizaram? Ou o oposto, quantas vezes tivemos certeza de que algo seria muito importante e logo a coisa desapareceu no mundo como se nunca tivesse sequer existido. O pensamento coletivo que constrói a humanidade é quem toma essas decisões, e você, ao participar disso dando uma boa garfada na lagosta temperada com formigas amassadas do congo e emitir seu veredito, nada mais está fazendo do que uma aposta. Vivemos todos numa grande loteria que constrói a humanidade e determina quem e o que será importante e especial. Sejam bem vindos.

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