Entre o artista e a obra

Estou ali naquele limbo: entre o ruim e o excelente. Na verdade, há algum tempo tenho ouvido elogios o suficiente para me convencer de que sou um pouco melhor do que "bom". Que estou um pouco acima do standard, que poderia ir além.
Mas quando me disponho a ir além, quando arrisco e vejo o que de fato sou capaz de fazer, sempre caio de cara e percebo uma incongruência entre o que algumas pessoas (e eu mesmo, desde então) pensam de mim e o que eu de fato sou capaz.
Vejam, não é arrogância ou falsa modéstia, não estou levando em conta os comentários como se fossem verdades absolutas, mas uma sensação de que de fato estou num lugar novo e que seria capaz de adentrar campos mais desafiadores. Eu gostaria de adentrar campos mais desafiadores, é isso mesmo que eu estou buscando no presente momento, ir mais longe do que nunca.
E ano passado vi o esforço rendendo: saí da minha zona de conforto em tantos aspectos, me dispus e me reinventei e vi o resultado, o reconhecimento começando a aparecer. Só que é isso, não é o suficiente para o próximo passo.
Escrevendo agora penso que talvez seja justamente isso: ainda é preciso crescer mais dentro deste novo espaço, permitir que eu me sinta confortável aqui para então adentrar um novo campo desconhecido. Só que a questão é que o tempo já avançou demais, é hora (ou quase) de mover-me, de me deslocar, e tenho medo do que pode ser recebido.
É claro que estou falando de fazer teatro, e as vezes fico pensando sobre as recepções dentro e fora do lugar em que vivemos. Quando nos apresentamos num espaço conhecido, as coisas são interligadas de pessoalidade - as pessoas nos conhecem, e antes de nosso trabalho elas enxergam também quem somos e nosso percurso. Isso, por vezes, as impede de ver nossas capacidades reais (tanto para o bem quanto para o mal), e só vamos ter dimensão real do que é nosso trabalho quando nos apresentamos para um público que tem como contato principal a obra, e não o artista.
Esses desvencilhamento, acredito, é bastante importante para a constituição de um indivíduo/sujeito artista. Não para a pessoa, mas para a persona. Quando um artista ganha renome ou notoriedade, ele passa então a ser tal artista, e isso dá as pessoas certa sensação de familiaridade, mas a verdade é que a persona Bob Wilson não é o Bob Wilson. Essa marca Grace Passô que se inventa é parte da pessoa, mas é uma criação de arte em si, é algo inventado e que só é alcançável quando a obra ultrapassa a província onde o artista é íntimo e alcança o público diverso, por que é com este público, que pouco ou nada sabe sobre a atriz, que a obra Grace Passô vai se constituir.
Vejo por exemplo alguns artistas que conheci pessoalmente em uma época em que ainda estavam começando a se estabelecer, mas que não pude me tornar íntimo. Hoje eles caíram no gosto do público para além de sua cidade e seu redor, e estão agora em destaque e crescimento. Como se dá esse momento? Uma parte de mim diz que é trabalho, que é preciso trabalhar e estudar e se desafiar. Mas uma outra, menos meritocrática, entende que as vezes é preciso um golpe de sorte, estar no lugar certo, ter aquela poltrona preenchida por alguém que não te conhece mas vai enxergar lá dentro alguma coisa e, depois que sair, dizer para alguém algo sobre você que é mais bonito do que você mesmo diz. Essa pessoa é que é a artista que vai criar você, que vai desenvolver a persona você, que vai entregar para o mundo uma versão não pessoal do que o artista é, que vai contribuir para a formação de uma imagem, uma impressão.
Este é o momento em que deixamos de ser produtores e nos tornamos produtos.

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