Batendo Perna Online

Cogitei intitular esse texto "Wanderlust", cogitei também começar com aquela citação do Moby Dick "Sou atormentado por um desejo constante pelo que é remoto. Gosto de navegar mares proibidos...", que ainda parece bastante pertinente, no caso. Mas decidi ser mais prático, algumas coisas falam por si.
Há cerca de dois anos, decidi tentar fazer intercâmbio pela minha faculdade. Não consegui. Então tentei duas vezes pelo Ciências sem Fronteiras. Uma experiência frustrante da qual saí exausto e irritadíssimo. Aparentemente, cursos de arte não são ciência, ainda que possam realizar Iniciações Científicas pelo mesmo órgão de fomento. Mas isso tudo é recalque, claro, por que fiquei aqui no Brasil olhando meus amiguinhos desbravarem o mundo.
O destino que tinha escolhido para ir fazer intercâmbio era a Irlanda, visto que o meu curso tinha um vínculo com duas Universidades de Dublin e eles pareciam bastante interessados em receber estudantes. Nunca tive interesse se quer de conhecer a Irlanda, mas diante da perspectiva de morar lá, comecei uma jornada desbravando blogs de viagem para saber que país é esse, como ele funciona, o que existe por lá e como seria, de modo amplo, morar lá. Acabei encantado pela terra dos leprechauns e mesmo não podendo mais fazer intercâmbio por já ter terminado a graduação, ainda pretendo passar um tempo lá.
Juntamente com essa pesquisa longa e demorada (foram meses esperando o resultado), desenvolvi um hábito no mínimo curioso: o de entrar no Google Maps, abrir o Street View e ficar vadiando pelas ruas, a príncipio de Dublin, mas logo estendi o costume a outros lugares. Assim, caminhando com meu mouse eu rodei Paris, Nova Iorque, Xangai, Lisboa, Vancouver, Buenos Aires, Tóquio e mais tantas outras capitais. Vou clicando e passeando, rua após rua, indo do centro da cidade aos bairros mais periféricos, observando as ruas, as casas, os prédios, as pessoas... Olho becos sem saída, ruas menores, fico desejoso quando o Street View não passou por algum cantinho e ele me é inacessível - como uma parede invisível num jogo de videogame. E nesses momentos me lembro que estou online, que essas coisas são virtuais.
O vício cresceu um pouco de lá pra cá. Já enjoado de ver as cidades que eu tinha vontade de conhecer, comecei a rodar o globo do Google Earth, escolher um ponto qualquer, dar zoom e procurar alguma cidade próxima que tivesse Street View. Na maioria das vezes nem chego a saber o nome delas, só vou caminhando e observando, notando coisas que em geral só percebo quando viajo: a arquitetura, as linhas, as cores... É uma pena tudo ser estático, mas isso também me dá tempo de ver com outros olhos. Vejo o mundo como olho pinturas fascinantes em um museu. Me dou tempo de parar e olhar pra cima e ver os edifícios se esticarem no ângulo estranho da câmera do Google. Minha curiosidade se esbanja com tanto mundo que há pra ser visto...
Mas, como toda obsessão, há  algo de não muito saudável: misturado ao prazer de passar horas viajando por esses lugares, caminhando no meu tempo e vendo ruas que são parte da história de outras pessoas, que dizem coisas sobre outras histórias que eu não conheço e que me instigam, há um sabor amargo que não sei identificar muito bem, mas que com o passar do tempo tenho entendido como a frustração que senti ao ter o intercâmbio negado, numa versão mais sutil. É o gosto amargo de quem nunca irá para esses lugares, de quem olha os peixes nadarem através do vidro do aquário mas nunca botou os pés na água. Dói, um pouco. Mas é encantador olhar...

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