Reducionismo animalesco

Há uma dor que já há muito não sentia. Não sei se não sentia por que havia sido capaz de evitar habilmente todas as relações sociais que me obrigassem a sentir isso, ou se não sentia por que já venho deixando de sentir de modo geral. Acreditar na segunda opção, ainda que pareça mais assustador, merece vivas: estou voltando a sentir, afinal. Mas acho que eu estava só sendo o covarde que sou, mesmo.
Pois bem: há essa dor que eu carrego em mim e que deve estar intimamente ligada a uma necessidade infantil de ler as coisas através de um maniqueísmo espontâneo - e que, nessa ótica, tem muito a ver com felinos. Eu dividia o mundo em dois tipos de gente: os cães, e os gatos.
São cães aqueles fiéis, dispostos, sempre prontos para seu dono, geralmente ingênuos (burros, diriam alguns), e são bastante dependentes do carinho, afeto e cuidado que recebem. Existe nos seres humanos uma empatia besta com os caninos, por que os caninos se posicionam como inferiores e não encaram isso de forma pejorativa: estão ávidos por ouvir um "owwn".
Em contraponto, há os gatos. São egocêntricos, fazem apenas o que lhes apetece, são bastante inteligentes e hábeis e independem do dono, de forma geral. Criam nos seres humanos uma apreciação de beleza, pois se posicionam como superiores a eles (o que geralmente é prontamente acatado por toda a espécie das gentes).
Mas eis que, depois de um felino e um cachorro, venho lidando com um outro ser que foge desse maniqueísmo pet-shop ao qual reduzi a humanidade. A princípio, tive certeza de que era um gato. E isso inclusive foi o que me atraiu de forma mais eficaz: estava exausto da falta de mistério dos cães, da sua honestidade excessiva, sua carência e inferioridade. Mas eis que esse gato de repente late, corre atrás da bolinha e vem me receber na porta de rabo abanando quando chego em casa. Ou há algo de muito errado nesse bicho ou ele não está dentro das normas que eu inventei.
Daí, ele pode ser uma porção de outros animais, não é mesmo? Só de domesticados devemos ter algumas milhares de famílias: roedores, pássaros, repteis, caprinos, equinos... sem contar os selvagens. Mas não detecto as ações em nenhum outro tipo, e começo a pensar - ainda bem e até que enfim - que o pensamento é que está equivocado. Não são dois lados de uma mesma moeda e, vejam que coisa louca, seres humanos não são animais. Basta de tentar entender as relações por comportamentos instintivos: elas são instintivas e exatamente por isso não se deve entendê-las.

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