País particular

Luís estava sentado no sofá de couro marrom numa daquelas tardes de verão em que uma piscina vai bem, olhando fixamente para um ponto preto dois centímetros para cima do canto direito da tela plana da TV de 29". A personagem feminina na televisão dizia algumas coisas à uma outra personagem feminina, e havia também um barulho enjoado de uma mosca tentando sair pela janela de vidro fechada. O ventilador ia de um para o outro.
- Luís.
Ele virou lentamente a cabeça para o lado direito em resposta, ainda com os olhos presos na parede, meio embaçados. Ouviu outra vez o seu nome e olhou sem ver uma mulherzinha de avental e colar de pérolas usando um vestido florido e um coque no topo da cabeça. Ela apertava os lábios e tinha as mãos na cintura, e ele viu num nano segundo as unhas pintadas de vermelho descascadas. Um relance.
Ele a olhou nos olhos por alguns segundos, tão fixamente quanto tinha observado o ponto na parede.
- Hmm. - disse.
- A gente precisa conversar.
Luís pegou o controle remoto e apertou a tecla vermelha do mudo. As personagens femininas continuaram conversando em silêncio - bastante entusiasmadas, por sinal. Ele e ela se olharam longamente. A mosca na janela parecendo decidida a desaparecer. Quicando, quicando, enfrentando o muro translúcido.
- Hm.
- Onde você esteve ontem? - perguntou ela, cruzando os braços sobre o peito.
- Ontem? - ele parou pra pensar. Voltou a olhar o ponto por alguns instantes. - Ontem... hm.
- Ou quarta-feira. - tornou ela, invasiva.
- Ah. - suspirou ele pesaroso. Voltou a olhá-la. - Na academia.
- E segunda? - disparou.
- Segunda? Segunda? - gaguejou.
Luís entendeu aonde estávamos indo.
- É, Luís. Segunda. Quarta. Sexta.
- Bem... - suas mãos começaram a esfregar o botão do mudo, coçando. - Ora, Susana, eu estava...!
Silenciou e baixou um instante a cabeça. Susana também entendeu o que estava acontecendo. Olhou de relance para o lado e viu a mosca pousar um instante sobre a persiana de plástico, repousando do embate.
- Você estava no Motel, seu cachorro! - disparou, finalmente.
Luís olhou-a, e desta vez a viu, e notou os cabelos desgrenhados e teve uma sensação bastante estranha pela sua feição e viu por alguns longos segundos as unhas vermelhas descascadas.
- De onde você tirou essa idéia, Susana?!
- Não tirei ideia de lugar nenhum, seu idiota imbecil filho-de-uma-puta. Seu canalha. A Antônia veio me dizer que vê seu carro entrando no Dallas, segundas - começou, contando lenta e ameaçadoramente nos dedos - quartas, e sextas. Quem é a vagabunda?
- O que?
- Quem é a vagabunda que você está vendo, Luís? Você não respeita nossos filhos não? Quem é essa piranha? Que cara eu vou fazer no trabalho agora, Luís?
- Não tem piranha Susana. Não tem nada disso que você... - Viu-a respirando para responder. Ouviu a mosca de novo. - Não tem ninguém, Suzana.
E deixou-se afundar no sofá. Afundar mesmo, parecia que ia atravessar o planeta inteiro começando pelo sofá. Seu olhar voltou para o ponto direito sobre a tela da TV. Abstraiu todos os gritos de Suzana, tal qual o mudo da televisão. Quis desaparecer por uns instantes.
Segundas, quartas e sextas, Luís de fato ia ao Motel Dallas. Entrava com seu carro no motel pontualmente as quatorze horas e saía de lá só as dezoito horas. Ia para a suíte que estivesse disponível - atualmente já havia passado por todas elas. Sempre acompanhado, estacionava o carro, entrava no quarto, deitava-se na cama e ficava se olhando no espelho do teto, ou tomava banho na hidromassagem - se o quarto possuísse. As vezes acompanhado de Joyce, a vezes de Adams, as vezes de Machado. Esta semana quem o acompanhava era Rowling. Amarelada - uma pechincha. Nem sempre ele os lia, muitas vezes apenas sentava-se na cama, pegava algumas folhas de sulfite e escrevia, desenhava. Tirava algumas fotografias pitorescas da decoração e dos vibradores. De si. Experimentava diferentes iluminações, ligava o chuveiro e deixava o vapor infestar o quarto, e então observava as marcas de dedos nos espelhos. Abria as janelas e ouvia os outros casais fazendo sexo, retirava o colchão para ver embaixo da cama. Rabiscava coisas no espelho da cabeceira - e também no do teto, quando alcançava - com um batom vermelho. Coisas como equações matemáticas irresolvíveis, ou perguntas que ele tinha se feito no dia, ou palavras que ele gostava do som. Ligava o ar-condicionado o mais frio que podia e então entrava numa ducha bem quente, e fazia questão de deixar a toalha do outro lado do quarto. As vezes retirava todos os objetos do lugar e fazia parecer que um furacão tinha passado pelo quarto, e deitava-se bem no meio do caos, e olhava-se no espelho do teto.



Por fim, tomava banho, colocava suas roupas de volta, penteava os cabelos, pagava a conta e voltava para a casa.

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