Eu que não sei escrever poesia mas tenho dom para imaginar universos paralelos
- Falei com uma amiga minha sobre você. - disse. Silenciou em meio ao turbilhão de vozes que era a praça de alimentação. Esperou uma resposta, olhando-o nos olhos. Bebeu um gole de milk-shake cor-de-rosa (morango), ainda sem desgrudar-lhe os olhos, e fez uma careta de desgosto com o sabor. Ele ainda estava em silêncio, mas logo a boca abriu-se, respirou ar rapidamente e disparou:
- E o que ela disse?
Observou-o um instante. Observou é um bom verbo, neste caso, por que realmente parou para notar coisas, nesse um instante interminável, notou tantas coisas nele quanto era possível de se notar em... em alguém como ele. Por fim, repousou o milk-shake que já ia levar a boca novamente, e disse:
- Nada.
- Nada? - tornou, torcendo os dedos. De repente, ficara inquieto. Desde a primeira frase da conversa parecia estar se sentindo contrariado. Desde a primeira frase parecia querer escorrer pra fora da cadeira e deslizar para dentro de um ralo, esvair pela tubulação.
- Nada. - respondeu, sem ironia. Sem nenhum tom, na verdade. Deixou o silêncio batalhar contra a praça de alimetação, outra vez, mas logo repetiu. - Nada. Como você. Ela também nunca diz nada.
Ele se levantou de súbito. Algumas mesas próximas silenciaram quando a cadeira caiu no chão, e de repente eles tinham alguns espectadores. Ele não ergueu os olhos e murmurou:
- Preciso ir ao banheiro.
Saiu. Nem sequer ergueu a cadeira.
Ele não voltaria, é claro. Ele nunca voltava, afinal. Era preciso cercá-lo, preparar armadilhas e caçá-lo. Como um tigre. Talvez ainda levasse um ano inteiro para que essa oportunidade ressurgisse. Desde quando ele se tornara tão arisco? Dá até pra prever onde foi parar, o que foi fazer, com quem está falando agora. No fim, para ele tudo não passava de uma obrigação que logo logo se extinguiria - e ele tinha razão, os encontros estavam durando cada vez menos e se tornando menos e menos interessantes. Talvez esteja farto de ser a presa.
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