de praxe
Não sei o que te dizer. Há algum tempo isso me corroía por dentro, não saber o que dizer, não saber dizer o que quero. Me corroía por inteiro de uma ponta a outra não saber. Você me olhando de soslaio, como quem sabe o que está por vir, e eu indagando seus pensamentos, o que você acreditava que era - já que nem eu sabia. Hoje isso não me corrói mais. Hoje sou equilibrado, transparente, correto, honesto, sincero, morno. Sou apenas um outro qualquer, vagando por entre os trilhos de sempre, os mesmos já trilhados, e estranhamente isso não me dói. Ser mais um não me dói.
Parece que não me sobressaio, que não há voltas a dar. Parece que resta em mim um pouco de vida em algum lugar, mas que esqueci onde guardei - sei que está lá, mas não sei onde. E não saber não me corrói. Parece que o silêncio está voltando até mim, e que talvez seja a hora de trancar as portas e me ouvir. Pode ser que lá dentro não haja nem mesmo o resto de vida que eu acreditava existir - é difícil continuar vivo por tanto tempo. Eu já não ando cabendo nas minhas roupas, nos meus livros e nos meus discos. Onde você menos espera eu não estou. Eu não saio de nenhum lugar e por mais que me procure não é possível encontrar. Eu deixei de existir a um certo tempo. Não tenho mais o mesmo nome, não tenho mais o mesmo rosto, o mesmo corpo, o mesmo cérebro. Não tenho mais nada que de mim um dia já existiu. Sou só mais um.
E não me dói quando me perguntam sobre esse novo eu. Dói não perguntarem como vai o meu restante, aquele que se esconde quando percebe o desagrado, aquele que se deixa levar pela imaginação e que tem um mundo só para si mesmo. Eu deixei de viver comigo para viver com os outros, é o que parece.
Me corrói um pouco quando tenho vislumbres desse resto em outras pessoas. Quando vejo que ele ainda pode existir mas que eu vou esvaziando-me cada centímetro por dia, cada vez que me olho. As pessoas não olham para mim, aliás. Para mim, só resta alguns cochichos e uma porção de olhares de soslaio - nem um pouco indagativos. Estes olhares fogem de mim e me negam verdades, mas em compensação não me deixam esvaziar em paz. Não me deixam sobrar, não me deixam corroer - essa palavra que já há um tempo se foi.
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