Pra quem sabe voar

- Espera. Repete, eu não entendi.

- É como se fossem dois universos paralelos, entende? Os dois compartilham uma série de semelhanças entre eles, e uma série de distinções, por que são ambos variações de uma mesma realidade, e eles coexistem sem quase nunca se tocar. Sim, quase nunca, por que eu acredito que eles as vezes se tocam. É raro e geralmente causa uma interferência bem forte em ambos os lados, mas deve acontecer. As pessoas, por exemplo. No universo de cá, existe aquela menina tal, que tem uma personalidade ligada ao sexo e aos relacionamentos, e a forma como eu me relaciono com ela é muitíssimo parecida com a forma com que eu me relaciono com a menina do universo paralelo, que é religiosa e nega o sexo em todas as suas forças, mas vive relacionamentos complicados também. Posso citar várias outras pessoas, se quiser, como o garoto nerd de cá e o nerd de lá, a gordinha dark de cá e a de lá, o hetero arrogante gordinho de cá e rouco de lá... são muitos mesmo.

- Tá, acho que faz algum sentido, mesmo que eu ache tão impossível quanto aquela história da menina que diz que veio de ursa maior. Mas e o que te aflige nisso?

- O que me aflige é o paralelo dele. Com o mesmo poder de persuasão, de violência e de destrutividade. Ele me entende e me decifra de um jeito que nenhum dos outros, originais ou paralelos, conseguem. E ele me desafia e me provoca, me acaricia e me decepciona na mesma frequência que o de cá. Ele me desestabiliza e me abre, destrói todos os meus cadeados, e vai me tornando um refém inconsciente de um sentimento de submissão estranho. Eu sei que parece bem torpe...

- E é. Mas e se o paralelo for diferente nisso? As formas de relacionar não são sempre exatamente iguais, são?

- Não, não são. Sempre tem uma ou outra variável. Mas não sei se quero arriscar descobrir e reviver isso.

- Por que?

- Porque encontrei um original do lado de lá que de cá não encontrei igual até agora. Tenho suspeitas de um outro parecido fisicamente, mas este seria o paralelo, já que conheci primeiro o de lá. Ele é também torpe como o outro, mas a forma de nos relacionarmos não se assemelha em nada.

- Acho que você precisa parar de visitar "o lado de cá" e começar a enxergar menos paralelos. Semelhanças não são cópias, o mundo não é feito de plágios.