Andrômeda
Sentou-se à mesa, oito horas da noite, e tocou de leve o garfo. Ela estava usando aquele avental rosa de pano que ganharam, três anos atrás. Se tivessem saído pra olhar o céu - ninguém faz essas coisas hoje em dia. Serviu o arroz, serviu o feijão, trouxe à mesa uma tigela de alface picada com pimentão verde e pôs no prato dele um omelete. Essas sutilezas todas.
- Como foi seu dia, amor? - disse, jogando a concha de feijão na pia e sentando ao seu lado.
O olhar cansado, as olheiras, o cabelo escuro e um pouquinho desgrenhado. Não importa o que ela fez o dia inteiro, principalmente se pensarmos que ela não saiu pra ver as nuvens. Nada disso impediu-a de parecer encantadoramente linda, com o queixo apoiado na mão direita, o cotovelo sobre a mesa, o sorriso lento, quase escorrendo.
- Bem. - disse ele, e imediatamente levou uma porção de arroz à boca. Mastigando, maquinava mentalmente montes de coisas, montes de histórias. Nada de bom o dia todo. Nenhum dragão, androide paranoico, unicórnio, vampiro, assombração, viajante do tempo. Nenhum conto de livro, nenhuma história de filme, nenhum caso engraçado do pessoal do telemarketing. Difícil mundo, esse. Nenhuma reviravolta, nenhuma descoberta de família, nenhuma chave encontrada no sótão. Sem coelhos no jardim, sem zumbis ou monstros do lago, ou aqueles duendes de lavanderia. Sem aranhas gigantes, lagartos gigantes, baleias voadoras, centauros, minotauros, botos cor-de-rosa. Não vagam por aí lobisomens, bichos-papões, sereias ou super-heróis. Não se encontram monstros dentro de armários, papais noéis descendo por chaminés, fadas nas moitas de azaleia. Não há nada que se possa conversar, especialmente numa noite em que a janta é arroz, feijão e omelete.
Ele mastigando de cá, ela observando de lá, e o silêncio ao redor. Talvez seja interessante que a gente ouça as buzinas e os ônibus, talvez o silêncio não seja o mais conveniente, na verdade. Talvez seja até bom podermos ouvir os diálogos da novela na tv ligada no aposento ao lado, baixinho, murmúrios. Ela espera algum comentário adicional, uma piada divertida sobre o pimentão, a descrição de um vídeo interessante, um convite pra uma saída no domingo, uma lembrança antiga, uma reclamação da vida. Ele espera que ela não espere nada. Lá fora, se eles fossem olhar, teria uma galáxia inteira, que estaria bem clara e visível, despejando estrelas na cidade inteirinha, e a cidade retribuía o favor com suas luzes em janelas e postes de iluminação em ruas logo mais desertas. Mas eles não foram, e desta forma não tinha galáxia nenhuma. Não havia motivo para ter. Naquele silêncio pressuposto, a galáxia estava no prato de feijão entre os dois.
Comentários
E legal q até dá pra interpretar que o choque tá ocorrendo ou vai logo acontecer!
Bem fofo o texto :3