Único
Pode ser que eu tenha medo de assumir que cresci, que já não sou mais um menino vendo mtv e jogando videogame. Pode ser que essa nostalgia toda seja o medo de ver que isso tudo passou e que agora não é mais meu. Que eu me agarro a essas músicas, vídeos, filmes, por que são umas coisinhas insignificantes que atuam como máquinas do tempo e me transportam espaço-temporalmente de volta a lugares que o meu corpo julga como bom, como confortável, como sensível, como você lembra de tudo isso, menino? Como pode? Como pode ter o mesmo arrepio toda vez que penny and me começa a tocar, saber as letras de todas essas músicas de cor, falas inteiras de filmes, textos de jogos que nem tinham dublagem. E lembrar dos sorrisos, dos abraços, da vida em geral. Se o tempo era bom de verdade ou se eu só sinto saudade do que eu lembro dele ter sido eu não faço ideia, mas tenho certeza de que isso tudo ainda ressoa, como uma melodia que mesmo que a gente não lembre precisamente as palavras da letra, se arrisca a cantarolar quando ela toca. Naquele quarto miudinho, pequeno demais pro maior menino que ele mesmo conhecia, com paredes verde-água e sem espaço pra televisão que ficava pendurada num suporte quase em cima da cama, esta embutida num guarda-roupa que ocupava a menor das paredes por completo, dentro dele um monte de brinquedos, livros, papéis desenhados à caneta, transbordando coelho em vasos de planta, cartolas, dados, guarda-chuvas... Isso aqui deve ser um lembrete pra mim mesmo, mais uma dessas coisas a que vou me agarrando, pro passado não morrer, quase como se eu tivesse já uns sessenta anos. Não sei valorizar o momento que eu vivo, essa é a verdade - se naquele momento o futuro parecia promissor e cheio de possibilidades, hoje em dia o passado me agrada muito mais. Todos os finais de semana, todas as músicas no fone de ouvido em ônibus, metrô, a pé, uma duas três quatro cinco seiscentas cidades pra explorar, conhecer. Gente de todos os cantos e a sinceridade parecia tão mais real - sei que não era. Sei que boa parte daquilo tudo já está morto. Sei que hoje em dia todos fazemos esforços pra não ver o atestado de óbito dessas memórias - das piadas, das lembranças, das conversas de madrugada, dos telefones, dos choros, das brigas com e em defesa de amigos, das noites sem dormir, you are at the top of my lungs; drawn to the ones who never yawn. E aquela lua cor de rosa do Hanson está em um dos cadernos, do lado do meu alter-ego que jamais poderei ser, mas que eu gostaria de ser ou gostaria de ter alguém que fosse. As pessoas, as músicas, os lugares, a vida que eu levei num geral vai se esvaindo do meu cérebro, como uma ampulheta que marca o tempo do fim, em que todos os grãos de lembrança estarão depositados no lado de baixo, e o meu desespero é não permitir que isso se vá, isso não pode ser perdido, não pode ir embora o meu eu e essa crise de personalidade. Não posso me esquecer. Já me esqueci antes, não quero me esquecer de novo. Este blog, o fotolog, o orkut, o livejournal, pastas e mais pastas de fotografias e vídeos, são os únicos resquícios - artefatos arqueológicos, preciosidades de um tempo perdido, hieroglifos que eu decifro sempre que os vejo - que vem reconstruir as memórias que perdi, sempre que entro nesse marasmo egocêntrico de não saber quem sou. Coisas que não apago de forma nenhuma. Se não supervalorizo nem fico exibindo para as outras pessoas é por que já tem pessoas demais envolvidas - eles, e uns tantos eus.
Comentários