Aqui jaz um fiapo de memória


Quando tínhamos todos uns 10 anos de idade, criancinhas bobas e sonhadoras que éramos, tivemos o privilégio de ter, aqui no nosso bairro, um circo. E desses com leões, malabaristas e palhaços. Dos mais bonitos! As luzes piscando no cair da noite, a música incansável e o barulho dos espectadores indo, assistindo e voltando perduraram por uma semana inteira, vibrando suaves no calar da rua, pouco antes da meia-noite.
Todos os dias passavam pessoas e mais pessoas, carregando sacos de pipoca e rindo a beça das piadas de palhaço ainda frescas na memória, das impressionantes performances dos equilibristas, malabaristas e todos os outros membros do circo.
E numa dessas noites, pouco antes de todos voltarem pras suas casas e descansarem felizes e satisfeitos pelo prazer desenfreado que o circo proporcionara, quando só as luzes dos postes e as luzes do circo iluminavam o já inicial silêncio noturno, um elefante marchou pela rua. (E nada mais natural que um elefante, não é mesmo?) Ele parecia tranqüilo e gracioso, na pouca luz que havia, com a tromba esticada e os olhos escuros a observar os canteiros e as árvores. E tão logo ouviu-se o barulho dos passos do paquiderme, que devia pesar algumas toneladas e naquela luz parecia pouco mais que uma massa cinzenta, as janelas da rua foram se abrindo uma a uma, iluminando o animal majestoso. 
Nós quatro, Felipe, Tomas, Augusto e eu, corremos para a rua, pra observar aquela situação fabulosa e inimaginável, e caminhamos devagar, cautelosos, atrás do elefante. E tão logo saímos, logo vieram nossas mães atrás de nós. Preocupadas que estavam, não puderam deixar ainda assim de ficar fascinadas com o animal e seguiram atrás de nós, segurando em nossos ombros e mãos, observando o colossal elefante a caminhar solene por nossa rua. Era até engraçado imaginar: um bando de meninos, suas mães e logo vieram se juntar a nós, na caminhada lenta atrás do animal, os homens mais velhos, as moças adolescentes, os outros casais, as senhorinhas e os senhorezinhos de idade... 
E assim se formou uma parada atrás do gigantesco elefante, caminhando em silêncio, como uma cerimônia que não poderia de forma nenhuma ser interrompida, de tão sagrada e inimaginável que era.

Mas foi interrompida. Vieram os donos do circo, vieram os policiais, vieram todas as autoridades e quiseram fazer do pobre bicho um criminoso dos mais terríveis. Acorrentaram-no em meio a protestos e gritos infantis, e o magnífico animal nada fez contra nenhum deles. Cedeu ternamente à captura, como se o seu desfile noturno fosse não mais que um presente que ele estava dando a todos nós e que chegara a seu fim.




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