f u l v o

Pela manhã, abro os olhos lentamente e observo, suave e ainda um tanto inerte, aquele silêncio luminoso invadir todo o espaço da casa, e quem sabe também todo o meu espaço, me invadindo como, como pode uma sonoridade de árvores em meio a tanta claridade nesse aconchego colo, os olhos que ainda piscam pensando se sim ou se não, não pra se acostumar a nesga, não pra sair da escuridão do sono, mas pra apreciar e precisar que som inexistente tem esse segundo, que dura algumas horas talvez, mas que pede somente um alívio de som, de falta de sonoridades, de sonhos ou de paisagens infinitas de campos de trigo que invadem meu quarto, se despejam sobre minha cama e sobre meu peito nu e parte do meu pescoço, preguiçosamente nas cobertas e no lençol que se fora branco agora é esse amarelo carinhoso e perpendicular, inclinado pra esquerda, invasivo mas bom samaritano, sorrindo enquanto me persuade a não sair de onde estou, não mover mais que as pálpebras que piscam lentas nesses três ou quatro segundos, glória suspensa de nuvens e partículas de poeiras entre os rasgos claros que não vão entrando, já estão lá, eu os peguei desprevenidos, ainda que pra eles isso pouco importe, essa invasão não é um crime, é uma necessidade, pra mim é importante pensar que não os vejo entrando e jorrando até onde estou, eles já estão, numa constante.

Comentários

Heloísa disse…
Amo esse texto. Posso passar a vida lendo só isso e nunca irei me enjoar. É lindo e sereno.
Heloísa disse…
Amo esse texto. Posso passar a vida lendo só isso e nunca irei me enjoar. É lindo e sereno.

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