c a r m i m
Sou eu, digo. Digo um pouco mais alto, talvez não tenham me escutado lá na coxia. Sou eu, mais uma vez. Parece que não tem ninguém interessado em saber, mas isso é típico: nem mesmo eu me interesso por esse tipo de trivialidade. Dar alguns passos pode resolver o problema, meu cérebro pensa que talvez as cadeiras vazias sobre o palco sejam um sinal de que não é o melhor momento para estar ali, especialmente com o silêncio reinando tumular, principalmente fúnebre e quem sabe com um ligeiro toque de melancolia. Fujo de meus afazeres para estar aqui, sei de todos os riscos que corro – de saúde, de moral, de sociedade particular e financeiros – e ainda assim observo lento as cortinas, os refletores, as cadeiras vazias no palco que parecem anunciar uma presença que não enxergo. Não há ruído, não há vozes, não há sinal de movimento, mas sei que se há algo nesse espaço, esse algo é alguém. Alguém está ali junto comigo e não respondeu o meu sou eu por puro desinteresse em minha leviandade.
Talvez seja hora de regressar. Aguardo ansioso o sinal sonoro que me diz: olhe para a janela nesse momento, vai ver a espera concretizada, enfim, tudo lá, corra para uma das coisas que mais anseia no momento. E eu vou abandonar esse palco, essa história toda, esse monte de silêncio e de ausência, essa porta batendo insistente como se alguém estivesse ali. Mas não está, é só o vento. É sempre só o vento. Vou abandonar tudo isso e fingir enfim que sou alguém, inventar uns personagens, uma vida para eles – provavelmente tão inferior quanto a minha, já que seria eu incapaz de criar uma vida grandiosa para meus personagens, visto que não passo eu mesmo do minimamente interessante e essa porta que segue em bater e se fazer notar aqui, nesse trecho de nada.
Não ouvi sinal, mas meus sentidos me diziam que já havia passado o momento e que era ora de olhar a janela e me deixar ir embora. Essa aventura de mim em mim só poderia ser feita com tais frases clichês e esse horário estampado no relógio. É o sono que bate em mim, digo, e digo bem alto para que todos os que estão ali comigo saibam das minhas conclusões pessoais.
Viro-me. Vou-me.
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