Para uma das minhas Semíramis

O sol não nasce em Inácio Martins. O dia vem de mansinho, em silêncio, clareando como quem não quer nada as ruas de paralelepipedo, as casas de madeiras com jardim. Quando se percebe já são oito horas da manhã, a neblina vagueia pela cidade, os passarinhos corajosos se põem a aquecer a voz e a dizer que sim, há vida lá fora.
Joelhos gelados.
Café quente.
Silêncio estranho.
Vozes. Vozes. Vozes.
Silêncio estranho.
Cobertores.
Nariz gelado.
Parece que o frio da cidade sorri pra mim. Só pra mim.
E as canecas todas transformam esses homens em meninos. O corpo contraído, os joelhos juntos, as duas mãos que seguram as xícaras. Deixa sair. Deixa ir pra fora e molhar as barbas brancar desses meninos de seis anos.
O frio coletivo, a falta de dedos nos pés, o silêncio falando por todos.
Três filhos, três pinos, três vezes adeus. Três homens que se encontram com a morte - da mão, da mãe-esposa, de si mesmos. "É um vazio muito grande...". Eu sei.
Quando tudo acaba, a cidade está molhada de garoa. O dia nem começou e está tudo aberto, tudo de volta ao lugar (os dois sofás, as televisões...), avisando que o mundo não escuta as presses que dizem "Calma...". Logo mais é meio-dia. Dizem que o sol não nasce em Inácio Martins.

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