As avessas
- Não tem?
- Não. Não tem o mesmo caráter, não é do mesmo jeito, entende? O Bruno... ele... - e silênciou-se, pensando.
- Que tem ele? - E meteu a boca no canudinho, chupando suco de limão.
- O Bruno é inverso. - disse, com os pensamentos aflorados e derramando sobre o sanduíche - Inverso em tudo que faz. Ele ama como faz sexo e faz sexo como ama. O amor dele é divertido, prazeroso, presencial, concreto, entende? É um amor físico, é existencial. Não é daqueles amores ilusórios, cheios de metáforas e cheio de poesia. Não é um amor falso de novela, de filme hollywoodiano. É um amor que eu sinto o gosto, o cheiro, a textura... que é um gigantesco croissant! - E, satisfeita, deu mais uma mordida no sanduíche.
- Hmm. - Deu mais um gole.
- O amor que ele exala pelos poros é sensual, aguça todos os meus sentidos - prosseguiu, engolindo. - E é o cúmulo da diversão, cheio de momentos particulares em lugares públicos sem ser desrespeitoso, parece que ele tá sempre tirando a minha roupa com os olhos, sempre consigo sentir o hálito dele perto da minha nuca só de vê-lo sorrir. As vezes ele não precisa falar nada, e a presença dele ali, em completo silêncio, me arrepia toda, me dá uma vontade louca de gritar. - Mordeu o sanduíche de novo. Instaurou-se um momento em que ninguém disse nada, mastigando ou canudinho. Seguiu: - Já no sexo...
- Sim? - Precipitou-se, largando o canudo.
- Ele é a poesia em pessoa. Parece que me completa, e eu páro de sentir meu corpo, seus pêlos, nossa pele. Eu e ele viramos uma coisa só, entende?
- ...Não. - Por fim.
- Nem eu, na verdade. Por algum motivo eu me vejo fora do universo, e isso é tão idiota. É como se o mundo inteiro parasse de existir de repente, e só houvesse nós dois que na verdade somos um. E aí a gente respira junto, os mesmos pulmões, a mesma vida exalando cheiro no aposento todo. Não há separação dos corpos, não há vão entre nós, a gente ocupa o mesmo espaço, ao mesmo tempo... isso é contra as leias da física, né?
- Sei lá. - e pôs-se a mastigar o canudinho.
- E ele é assim, sabe? - pingando o molho do sanduíche na bandeja toda. Observou: - Por que você tá chateado?
- Comigo não era assim.
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