Conformismo começa com C
E de repente, não mais que de repente, César parou de existir. Assim, tão súbito que nem deu tempo de reprovar o gesto.
Sua família, a princípio, não notou. Estavam acostumados a César inexistir, embrenhado no quarto, horas no chuveiro, dias fora de casa. Mas quando suas roupas param de ir para a lavanderia, quando não mais havia gente andando pela casa a noite, quando não se podia mais pedir pequenos favores ou reclamar de pequenas coisas da vida, pegar alguns artefatos emprestado ou reclamar sobre sua incapacidade de acertar o maldito do vaso sanitário ou dos pratos que ficavam no quarto, seus pais e seu irmão mais novo perceberam que César não existia mais. Teria ele fugido de casa, se mudado para a Austrália, encontrado o grande amor com o qual estaria morando agora?
No ambiente escolar, a ausência de César foi sentida com um pouco mais de rapidez. A princípio, noitou-se uma falta, duas, três e então os colegas de turma passaram a ligar, ligar, ligar e sem nenhuma resposta. E-mails, contatos em sites de relacionamento, mensagens de celular, tudo sem resposta. Em nenhum lugar havia quaisquer resquício que indicasse para onde havia ido César, se ele algum dia tivesse ido a algum lugar. Os livros emprestados, as músicas favoritas, de repente César foi virando meio que o assunto do momento na escola, e todos os alunos gostariam de saber a respeito do rapaz que simplesmente desapareceu. Mas tão logo ganhou fama, tão logo a perdeu, e no segundo horário de matemática já ninguém mais se importava com a sua inexistência, o que era de fato muito natural. A maioria das pessoas não se importa com o que não existe.
Já a lojinha em que César trabalhava, com uma senhora gorda, notou sua ausência tão logo ela passou a existir. Onde estava o rapaz para alcançar a prateleira mais alta? Para atender os clientes? Para limpar as privadas, as pias, as porcelanas e os porta-retratos? Para ir buscar um trocado na loja da frente, para cuidar do balcão no meio tempo em que a dona da loja dava uma sumidinha (no sentido figurado) com o amante dela? Mas ali, em especial, a existência de César era tão simples de ser resolvida que no dia seguinta já havia um novo rapaz para tudo isso, e César não precisava mais existir, mesmo.
Hoje em dia, as vezes, as pessoas param e lembram de alguns bons momentos que tiveram com César. Seu rosto de enche de alegria num sorriso bobo, os olhos ficam um pouquinho vidrados, e as vezes até iniciam uma conversa sobre o rapaz. Mas isso dura pouco, e tão de repente quanto havia começado, César volta a Inexistir.
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