Cheio dos adjetivos.
Gatos. Sempre gatos em cima de gatos. Arrogantes ou não, de variadas cores, uma bola de felinos rolando dia após dia em sua frente. Miados e mais miados manhosos, incertos, imprecisos. Aquele andar insinuante e aquele rabo sinuoso, elegante. Aqueles olhos meio inexpressivos, meio ameaçadores. A doçura parece ser apenas uma desarrogada vontade de conquista. As garras que se escondem, sem mostrar o real perigo que são.
E aí, de repente, um cachorro. Antes de tudo, amigo. Ele agradece feliz o carinho, sorri com os olhos por um afago na orelha, se põe perto e se faz notar. Late alto, direto, franco, seguro. Abana o rabo sem pensar se isso pode parecer pra alguns gatos humilhante: estar sempre ali, pronto pra simplesmente estar. Maciço, direto, sem meandros e sem medos de errar, o cachorro simplesmente está. Está lá mesmo quando você não está. E isso o faz o mais bonito dos animais. Ser assim: sincero, indiscreto, grandioso e humilde. Ele sabe que é importante e sabe que te faz bem. Não suporta te ver chorar, não pode aguentar quando você sai de casa. Ele te acompanha, sempre, e morre de alegria quando você sai com ele, quando você está com ele. Ele quer mesmo é que você fique com ele e quer ficar com você.
E esse amontoado de gatos, que antes parecia tão bom, perdeu toda a graça logo que o cachorro apareceu. Ficaram ali, no canto, fazendo um montinho como quem pede adoção, mas não chegavam nem perto de ser adoráveis e amáveis como o cachorro. Este latia desconfiado pros felinos, que arrogantes nem se importavam. Teve até um gato que se esfregou discretamente nas pernas do dono, como que pra conquistá-lo. O dono chegou a olhá-lo, mas viu que não gostava mais desses felinos incertos e insolentes. Nem se deu ao trabalho de retirar a mão do cachorro.
Mas um dia o cachorro foi embora. O dono criara o péssimo hábito de só colocar a mão sobre ele e não afagá-lo mais como fazia antes, se limitara a sair pra dar a volta no quarteirão e já voltar pra casa - ainda que não possamos dizer que esse tenha sido o motivo de sua partida. E, dessa vez, o dono espera. Espera que o cachorro descubra a rua, entenda essa vida lá fora, e torce pra que ele conheça o caminho de volta pra casa. Confia tão plenamente no cachorro que nem se deu ao trabalho. Confia que, se o cachorro decidir voltar, vai ter mudado todos esses hábitos que ele percebeu que tinha desenvolvido. Confia que, se o cachorro decidir permanecer lá fora, pode se cuidar bem e que, tal qual elefantes - que o dono não conhece - nunca esquece.
Comentários
Acompanho o cachecol e suas xadrezadas há um bom tempo, e agora decidi manifestar minha existência para dizer que adoro!
E são textos como esse que me fazem voltar aqui over and over again.