Todo mundo sabe que isso vai dar merda
-Espera, explica tudo de novo. Do começo.
- A ideia é a seguinte: na segunda cena, onde existe aquele enforcamento do personagem do Geraldo, a gente tem aquele nó maroto que desfaz quando a corda puxa. A gente ensaia sempre com a corda, pra dar segurança pra ele, todos os dias com o nó safadinho pra ele ficar sabendo que não tem risco.
- Certo, isso eu saquei.
- Aí, o professor responsável pela matéria é o Antônio. E todo mundo aqui ama o Antônio, certo? Então a gente, pra tirar o Antônio da jogada, vai fazer o seguinte: no dia da apresentação, a gente vai trocar o nó maroto por um nó real. E aí o Geraldo vai se enforcar.
- ...caralho.
- A gente pode até tirar ele de lá quando a gente ver que a coisa tá feia, mas eu tenho medo de que, se ele sair ileso, nada aconteça com o Antônio. Se o Geraldo morre em cena a gente tá feito: o Antônio é responsável, processado e, mexendo alguns pauzinhos, é dois passos pra ele sair da cadeira de professor. E aí não tem lugar que ele consiga assumir como professor por que isso vai sujar a ficha dele pra sempre.
- Tá, mas as pessoas vão notar que ele tá morrendo enforcado.
- Não vão, por que depois disso tem um blackout e o começo da cena seguinte rola no escuro. A gente dá umas pausas mais longas e pronto. Quando a luz acender de novo o corpo tá lá, pendurado no meio do palco, balançando e aí o caos vai começar. E aí a gente tira o Antônio do jogo e assim ele não vai nunca mais interferir na nossa vida em nenhum aspecto, em nenhum lugar.
- E se alguém sacar que foi armado, Gu? Quer dizer, alguém trocou o nó e isso vai ser investigado.
- Sim, mas aí a gente vai fazer parecer que foi um acidente. A gente leva duas cordas, uma com o nó normal e uma com o nó falso. Faz parecer que alguém confundiu as cordas na hora de colocar e diz que tava com a corda de nó real lá sem querer, por que a gente tava fazendo piada com a possibilidade dele ser enforcado de verdade. A gente pode até fazer o nó na frente dele, rindo junto com ele, e aí dar um jeito de trocar os nós. É simples.
- Você tem mesmo coragem de fazer isso?
- Não. Mas que seria genial, seria.
Folha de São Paulo:
Aluno morre em cena de conclusão de Disciplina na USP
"(...) Quando foi comunicado, alguns minutos antes do inicio do espetáculo, que Geraldo tinha quebrado a perna, o professor Antônio Delfim Souza, 34, definiu que Gustavo Montes, por conhecer todas as falas o substituiria. (...) Iniciou-se um processo de investigação à respeito do acidente, mas a responsabilidade até então está recaindo sobre Antônio que já foi afastado de suas funções na USP."
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