Medo de dar tchau

Aos poucos, com o passar lento do tempo e das relações humanas, fui entendendo que conversar é o melhor meio de adiar o tão temeroso tchau: o momento em que as coisas acabam, em que a separação é inevitável. Não só para relacionamentos amorosos, mas também para familiares, amizades e mesmo profissionais. Não há forma melhor de se prolongar uma relação entre duas pessoas do que pô-las para conversar e se entenderem, ainda que uma delas ache que fazer bico ou ficar de birra seja mais eficaz. O perdoar, o entender os motivos, o deixar pra lá, são a única forma de sustentar sem dor uma outra pessoa na sua vida.
Mas aí eu venho notando que as coisas as vezes vão e tornando irrefreáveis, e que a conversa em si não é tão eficaz nem avassaladora quanto o tempo. O tempo vai dando liberdade pras pessoas, e a intimidade, tão cobiçada a princípio, vai desvalecendo e mostrando aspectos que as pessoas preferiam não conhecer e não conversar sobre. A partir daí a cara feia, o ficar chateado, o medo da repreensão vão virando rotina, parte integrante da relação, aspecto constante que acaba por dilacerar qualquer conversa que venha, nem que timidamente, se colocar em meio ao caos. O perdão vai se tornando menos eficaz, as incertezas tão comuns do principio vão reaparecendo, o medo de por fim terminar sozinho volta a sondar, sorrateiro, de leve.
Eu me prendo ao máximo à conversa. Nisso, jogo todo meu orgulho fora e sou sincero aonde posso e aonde não posso também. Digo o que me magoou, peço desculpas por tudo que a outra pessoa não tenha gostado que eu tenha feito, vou limpando o jogo até o problema real aparecer. Em geral demora muito, tem muita briga boba e muito perdão remoído no meio. Mas quando dá certo e o problema é na real superado (coisa difícil, com o tempo), as coisas voltam à estaca zero, me sinto seguro outra vez pra continuar errando e passo a, novamente, me mostrar como sou, ainda que isso vá desagrandando vagarosamente a pessoa. É uma questão de habituar-se aos defeitos, entender os motivos, prezar os pontos altos depois das desculpas aceitas.
E em meio a isso tudo eu me vejo perdido, cagando de medo de ter de me despedir de algo que eu ainda gosto. De estar dizendo adeus de forma mais subita do que o normal, que vai se dissipando e sumindo como um degradê dolorido. Além de morrer de medo de ficar sozinho, eu tenho medo de dizer adeus.

Comentários

Cristina disse…
Costumava achar as relações entre as pessoas pura conveniência, mero hábito. Um dia, então, percebi que amava as pessoas que me cercavam e que não precisava me fechar tanto. Tinha medo de me mostrar e me ferir. Criei uma muralha entre o mundo exterior e o mundo meu -criei um mundo de acesso permitido apenas a mim. Além de amá-las descobri que corria o risco de ferir-me ao conviver com elas, mas que a dor era mais forte quando eu as afastava.

Não evito o adeus, porque, independente do fim, o meu mundo e o delas tornou-se uma única esfera.
Anônimo disse…
Muito bem, sr. Ked. A leitura foi leve e interessante, do jeito que eu gosto rs.
A conversa é a grande chave para tudo em qualquer relação com outra pessoa. Quem não sabe disso e resolve fazer o esforço certamente percebe o que estou falando.

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