Fênix da meia-noite
Uma bela noite, na última viagem antes de ir pra casa, Eduardo viu entrar pela porta da frente do ônibus um rapaz com óculos enormes do tipo que nem a sua avó usaria, um cabelo esquisito e arrepiadinho, usando aparelho e uma camiseta com um encanador e um dinossauro nela. O rapaz pagou a passagem a Eduardo, girou a catraca e foi sentar lá no fundo do ônibus. Então, subitamente e como se isso fosse algo totalmente racional pra se fazer num ônibus depois da meia-noite, o cara tirou um laptop lindo e branco da Apple e pôs a digitar desenfreadamente, os fones de ouvido ligados ao aparelho finíssimo.
Eduardo arregalou os olhos. Era o notebook mais lindo que já vira em toda a vida, era de um cara franzino e de óculos de deus-sabe-quantos-graus, era meia-noite e não tinha ninguém no ônibus. Devia ser mais caro que o salário dele. Três vezes mais caro.
Fixou o olhar nas moedas que organizava em saquinhos e, com as mãos trêmulas sem motivo, tentou voltar aos seus afazeres, ouvindo o tectec sutil que vinha do fundo do ônibus. Começou a cantarolar uma música dessas que fizeram moda no carnaval, algo que tinha Red Label na letra, mas ele já tinha perdido o ritmo e já ouvia o barulho das teclas de novo. Retirou cuidadosamente os olhos das moedas e virou-se para o último banco, onde o cara ainda estava com seu notebook a mostra, fazendo barulho na calada da noite, dentro de um ônibus vazio.
- Não para, Reginaldo, até eu mandar você parar. - disse Eduardo ao motorista, tirando de dentro da bolsa lateral estilo-carteiro uma faca.
Dirigiu-se para o fundo do ônibus, a faca as costas, ainda que isso fosse desnecessário já que o cara estava totalmente fissurado em seu laptop maravilhoso e branco. Com o coração disparado, ouvindo sirenes inexistentes de viaturas que atravessavam imaginárias a frente do ônibus e construíam um bloqueio, se perguntando o que sua mãe pensaria se o visse naquele momento, que exemplo estaria dando aos seus filhos junto com o notebook certamente capaz de rodar The Sims 3 perfeitamente, os pés quase se encontrando num tropeço que não veio, Eduardo se aproximou do rapaz e, quando estava suficientemente perto, apontou-lhe a faca e disse, o mais impiedosamente que sua voz trêmula podia ser:
- Passa o computador, filho da puta!
O cara parou de digitar e olhou para cima, vendo o rosto de Eduardo e, em seguida, a faca afiadíssima. Sem dizer nenhuma palavra ou emitir qualquer som, ele fechou o computador, colocou-o dentro da pasta largada no banco ao lado e o estendeu a Eduardo, com o olhar firme mas cheio e medo.
Eduardo pegou o notebook e mandou o motorista parar e abrir a porta. Quando o cara desceu, o cobrador pensou na placa do ônibus, no horário inusitado, no fato de ser cobrador, no fato de o cara parecer muito inteligente e em como ele cedeu tão facilmente e sem remorsos ao computador. Por isso, desceu em seguida e atingiu-o com doze facadas nas costas e no peito em seguida. O cara caiu de borco, se remoendo de dor e a rua deserta tornou-se apenas gritos de dor que não demorariam a cessar. Nesse meio tempo, o cobrador já tinha voltado ao ônibus e mandava o motorista correr loucamente.
Aqui, para uns a vida de Eduardo acabou. Para outros, ela estava apenas começando.
Comentários
Mas o fato de eu morar em Diadema torna desnecessário tal personagem.