Metalinguagem

Acho que o pior problema que um músico pode enfrentar é encontrar uma música que diga o que ele quer dizer. Digo isso não como músico, mas sim como pessoa que escreve – muita arrogância me chamar de escritor.

Baseado na experiência própria: basta eu encontrar um texto, em geral uma música, que reflita o que eu estou sentindo. Pronto, me dou por satisfeito, me bastam as palavras alheias, não preciso mais escrever uma porção de palavras parar parir no papel o sentimento. Ele já veio embrulhado e com código de barra e rótulo e conservantes e não contém glúten. Pra quê me dar ao luxo de fazer uma cópia à guisa de experimentação? São as mesmas opiniões, talvez só a embalagem diferente, até o preço é igual: grátis.

Lá se vai um texto pelo ralo e surge o chamado lapso criativo. Na verdade minha criatividade continua bem, obrigado, eu só não vejo motivos para usá-la quando meu texto já está pronto e eu nem tive de pegar na caneta ou escolher as palavras pra isso. Prefiro chamar de preguiça literária à falta de criatividade, acho que faz bem pra auto-estima.

Se me satisfaço com sentimentos prontos desse varejo interminável de idéias dos outros com que rego meu mundo, minha concepção da realidade, é por que sei me calar. Sei que não é preciso minha voz soar como um gravador da idéia que eu posso cantar ou ler sem dar-lhe roupa nova, sem pôr-me nela quando nela já há muito eu. Sei que não há necessidade de repetir a já dita sensação, sei que alguém já experimentou o que eu sinto. Nessa cumplicidade com gente que eu não conheço, vejo que não sou o único, que não preciso dar forma à uma sensação já catalogada, que eu posso simplesmente retirá-la da prateleira, colocá-la no meu carrinho e dirigir-me ao caixa. Tão meu quanto de quem escreveu.

Comentários

Mikaellis disse…
Você é humano. Um monte de experiências serão sentidas apenas por você, outras por um grupo enorme de pessoas.
O importante é escrever...

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