Sobre satisfação conjugal
Quando Rebeca chamou toda a família para um jantar no restaurante mais caro do centro, ninguém imaginava que ficariam surpresos por estarem parcialmente certos em acreditar que ela pediria alguém em noivado.
Rebeca anunciou calmamente seu bissexualismo, o que bastou para horrorizar parentes mais próximos . Anunciou então que ia se noivar naquela noite e, quando os mais liberais indagaram o paradeiro do noivo de sexo indefinido, ela afirmou "Sou eu." e, depois de uma pausa, disse sorridente: "Vou noivar comigo mesma".
Aí todos encararam a situação como uma ótima piada que só podia vir do senso de humor da bem sucedida publicitária da família, que com suas sacadas geniais rendeu enormes lucros à Kibon, à Volkswagen e a Coca-cola.
Mas Rebaca falava sério. Com os ânimos da família mais calmos, ela pôs-se a explicar o motico de sua paixão por si mesma, de seu narcisismo extremo. Depois de diversas decepções amorosas, com homens, mulheres, homens e mulheres, homens que tinham virado mulher, mulheres que se faziam de homens e qualquer outra combinação possível, ela tinha se deprimido tanto que pensava em cometer suicídio. Chegou mesmo a comprar uma pistola, que deve ainda estar enfiada em alguma gaveta do seu quarto, mas não teve coragem de puxar o gatilho. Redigiu uma lista de defeitos de cada um dos relacionamentos e passou a se indagar se encontraria alguém que pudesse resolver todos. Quem mais além dela? Ela sabia se vestir, gostava das músicas que ela gostava, não reclamaria para si quando visse programas até tarde, entendia suas vontades, sabia seus pratos favoritos, de que presentes gostava de ganhar, de que lugares gostava de ir, conhecia muito bem seus pontos erógenos, suas taras. Só ela podia dizer, com absoluta sinceridade, para ela um "Sei como se sente". Não precisaria conciliar horários, decidir o sabor da pizza, a cor dos móveis, memorizar datas importantes, se entender com a família do pretendente. Não teria sogra! A menos que considerasse sua própria mãe sua sogra, mas aí a sogra seria literalmente uma mãezona.
Independente dos protestos familiares, sobre o absurdo da questão, ela colocou em si mesma duas alianças, pagou o jantar e saiu pra viver a vida pré-casamento, que logo mais oficializaria.
Seis meses depois, com a festa perfeita e a parte burocrática da coisa resolvida, Rebeca marcou a data para um mês depois. Decidiu que as coisas podiam ir devagar. Só que seu professor de ioga era muito bonito e, depois de uma aula cheia de posições sensuais, eles foram fazer posições sobre uma cama, nus só eles. Assim que acabou e o professor foi curtir o momento abraçado à Rebeca, viu ela se levantar e agarrar os próprios cabelos. Abismado, viu-a gritar enfurecida: "Vadia! Você é uma biscate, Rebeca!" e dar uns tapas na própria cara. Ela correu até a cômoda ainda gritando impropérios contra si mesma e arrancou uma pistola do meio das calcinhas com cheiro de naftalina que estavam em uma gaveta. Apontou a arma para o homem que, estupefato, apenas olhou e a ouviu dizer: "Pensou que ia me trair e eu não ia saber, não é sua vagabunda?" e, mesmo vacilando um pouco, deu um tiro na cabeça do professor enquanto gritava: "Não, Rebeca! Eu posso explicar!". E aí atirou em si mesma.
Comentários