O que você sabe sobre o mundo?
Felipe Peixoto tinha problemas de socialização. Ele não gostava de sair de casa, não gostava de falar com os outros, não gostava de tirar o fone de ouvido. Mas no fundo ele queria ser um astro do Pop, um novo Prince, talvez até um Michael Jackson. Ele queria dançar, cantar, soltar a franga em geral.
Ele já era estranho, chamava a atenção, fazia coisas que a maioria das pessoas não fazia, sabia dançar até bem, tinha um inglês fluentíssimo, um vocabulário excepcional, e tinha uma voz muito boa.
Mas ele não tinha extroversão o bastante pra isso.
Das coisas estranhas que ele fazia, podemos incluir dançar pelado na frente do espelho, cantar junto com a Witney Huston em todos os graves e agudos, sentar sempre com os joelhos juntos e os pés afastados, o que dava a impressão de constante vontade de urinar, e cantar sem emitir som no ônibus, abrindo e fechando a boca conforme a música, acompanhando as palavras.
Esse último costume bastante peculiar trouxe a ele diversas situações ainda mais peculiares.
Ele costumava morar em uma capital qualquer do Brasil. Sei lá, Rio de Janeiro, por exemplo. São Paulo é melhor, por que tem metrô. Ele morava em São Paulo. Quando andava de ônibus, sempre acompanhado de algum aparelho que tocasse música e seus fiéis fones de ouvido surround última geração 5.5 canais, ele sempre cantava alegre as melodias, em silêncio, mexendo a boca. Todo mundo olhava pra ele, e ele se sentia tímido mas não conseguia parar. Queria mais era cantar feliz, queria ligar o som alto e fazer todo mundo cantar com ele, mas não era exatamente persuasivo, como já explicitamos. Nunca, em todo o tempo que morou lá, ele vira alguém fazer o mesmo, ter essa mesma idéia bizarra de cantar sem som. Era a única Britney Spears silênciosa de toda a cidade, e isso deixava ele um pouco receoso, pensando que talvez aquilo fosse uma grande pagação de mico.
Até que ele envelheceu. Arranjou emprego, criou um fundo monetário bacana e comprou um apartamento na mais remota cidade do Paraná. Algo como Inácio Martins serve. Adorava o frio de lá, adorava as pessoas de lá, adorava não ter mais de andar de ônibus por que sabia dirigir. Podia cantar alto no carro e ninguém ligaria.
Em algumas semanas ele virou história na cidadezinha e ficou conhecido como "Bixona da entrada sul". Coitado.
Até que um dia ele se viu obrigado a migrar até Curitiba, a negócios. Precisava comprar uns computadores novos para sua lan-house em Inácio Martins (que dava rios de dinheiro com processadores de 8bit), e ele resolveu ir de ônibus por que tinha medo das curvas fechadas das estradas. Teve de apelar para o transporte público.
Em curitiba, usou ônibus também para atravessar a cidade. E usou seu aparelho de mp3 para ignorar o mundo a sua volta: pronto. Ele era de novo a pessoa mais estranha da cidade.
Ou não. Dessa vez, haviam muitas pessoas com fones de ouvido. Algumas delas arregalaram os olhos pra ele, outros olharam-no com profunda veneração. Aí muitos deles começaram a cantar sem emitir som, também. Todos eles encarando o fato com a mais profunda normalidade. Menos ele.
Voltou para o hotel eufórico. Tinha encontrado a cidade perfeita? Ninguém ali o renegaria? Ele podia finalmente soltar a franga?
Seguiu-se esse tipo de cena nos dois dias seguintes. Ele estava adiando sua volta o mais que podia, e passava horas em ônibus cantando com outras pessoas, em silêncio. Se divertia. Vivia finalmente. Podia acreditar que era feliz.
Até que um dia, um homem alto, com uma camisa preta e um terno cinza chumbo aproximou-se dele e, tirando-lhe o fone do ouvido, sussurrou: "Me acompanhe.", sinalizando que tinha uma arma no bolso.
Desceram os dois do ônibus. Entraram numa limusine preta, que estava parada justamente na rua paralela ao ponto de ônibus, e seguiram até uma grande mansão. Foi levado pelo homem até o topo da mansão. Entrou num aposento frio, totalmente escuro, e sentou-se na única poltrona vazia. O homem que contemplava a janela, de costas pra ele, virou-se. Usava fones de ouvido dourados. Os retirou e disse:
- De que classe você é?
Felipe não entendeu. Perguntou ao homem do que ele estava falando, e este passou a explicar-lhe que pessoas que cantavam sem voz em lugares públicos eram de uma ceita que visava um mundo melhor, onde cada pessoa seria capaz de se importar consigo e com os outros, usando fones de ouvido e não detendo a música só para si, compratilhando ela através de leitura labial. Felipe ainda estava confuso, e o homem disse que, por ele cantar com total despojamento e saber muitas letras de cor, devia ser de uma classificação muito alta dentro da seita.
Felipe sorriu, finalmente entendendo. Não, moço, disse ele, Eu canto por que gosto, mesmo.
- Entendo. - disse o outro. Sacou um revolver, e deu três tiros certeiros na testa de Felipe.
Voltou-se para janela.
Inevitável, ele sabia de mais.
Comentários
E reiterando meu comentário no MSN: todo mundo sabe que seu desejo é ser uma diva do pop, ao nível da Mariah, pelo menos, se não conseguir ser uma Cher. Só tome cuidado pra não morrer no processo. (!)
Vou pra Curitiba me matarem :~
Hshaiuhe nem lembro se já te contei (ou foi na época da briga), mas quando era de madrugada eu colocava CSS no último volume do fone e ficava dançando (entenda-se balançando) na sala xD
-q
Ri que nem uma idiota desse post. Muito bom, afinal, eu me identifico muito com o Felipe. Meu sonho é ser a Mariah do agreste ou algo assim, com coreografias e tudo, mas ao contrario do Felipe, eu tenho vergonha de dublar em transportes públicos. Mas ei, eu já vi várias pessoas igual o Felipe e posso afirmar que eu sou uma daquelas que os olha com veneração haha.
PS: ri muito do seu comentário no meu ultimo post, você transpassa uma sinceridade fora do comum através das palavras.