Conto instantâneo tipo Papinha de Neném
Diz-se que, de um dia pro outro, ele não acordou mais. Os vizinhos não o viam, não se ouvia barulho no apartamento, o telefone nunca mais foi atendido. A situação ficou preocupante quando, finalmente, ele atrasou a conta do prédio e não atendeu à insistente campainha, que era apertada freneticamente pelo síndico. Arrombaram a porta, quando finalmente o síndico encheu-se da história de mais um inquilino que não pagava e, em especial, um que não dava motivos.
Como um anjo, estava deitadinho na cama, de sapatos e ainda de terno. Mesmo com os chamados do síndico, os cutucões e os tabefes, ele não acordou. Aí bateu aquele medo de estremecer os ossos, e o síndico teve medo de que ele estivesse morto. Mais medo de que ele estivesse morto, tinha medo de cadáver, e por isso teve uma crise de pânico: desatou a gritar feito uma menininha, estabefeando cego os moveis do quarto, procurando desesperadamente a saída. Depois de muito tempo, encontrou-a e desabou na escada. Morreu com o pescoço quebrado no último degrau.
A inquilina do apartamento 39, ao ver a cena, desatou a correr para checar o que tinha acontecido com ele. Percebendo o síndico morto, e com uma súbita repulsa por ter abaixado-se para checar-lhe a respiração, desembestou até a portaria, implorando por socorro. Quando chegou o porteiro até a escada e viu o síndico, seu irmão por parte de pai, morto, tratou de correr até o apartamento do salafrário que o havia matado. Óbviamente, o rapaz que não pagava a conta e não respondia aos chamados, tinha de ter sido ele! Ao entrar no quarto, berrando como nunca se ouvira naquele prédio, seguido pela mulher, tropeçou em uma dobra do tapete, tal esbaforido que estava, e caiu em cima do vaso de cerâmica co canto da sala, com o qual teve seu pescoço cortado em dois.
A mulher, que assistira à cena da porta, enlouqueceu de vez e saiu correndo pelo prédio, gritando que dois homens haviam morrido e que o prédio devia ser amaldiçoado. Depois de subir até o último andar, anunciando a todos as novidades, se jogou da janela do corredor.
Pessoas em massa ignoraram o chamado, outras tantas correram pra fora do prédio - talvez pra ver o corpo da mulher que havia enlouquecido e se jogado, testemunhas oculares ou figurantes da reportagem do Jornal Nacional - e algumas, que já haviam ouvido o boato do rapaz que não atendia à porta, correram imediatamente para lá. Viram o cadáver na sala e, os mais corajosos, seguiram determinados até o quarto. E lá estava o rapaz, dormindo tranquilamente, o peito arfando suavemente.
Seis meses depois ele acordou, dizendo que estava treinando uma técnica de ioga relacionada com a hibernação, e que não entendia o por que do prédio tão vazio em que estava morando.
Comentários
Sem mais, ri bastante.
Keep it up.