Carta ao leitor hipócrita

Caro leitor(a)
Venho por meio deste comunicar-lhe que o(a) senhor(a) já foi, em algum momento da sua reles existência, uma celulazinha medíocre que possuía 23 cromossomos e um DNA humano. Depois você se tornou um girino, um sapo, uma girafa e, tardiamente, um ser humaninho.
Enquanto encontrava-se no útero de mamãe, você passou de mísero zigoto inútil a ser humaninho em nove meses. Mas, e que isso fique bem claro, você não se lembra de nada disso, especialmente da sua época de zigoto.
Quando você era um sapo, por exemplo, você devia lembrar-se de algo. A consciência você já tinha, e o sistema nervoso também, mas aparentemente alguém prefere que nós não nos lembremos de como era dentro do corpo de outro ser humano e, portanto, uma aula prática de anatomia humana. Mas o que importa, mesmo, é que quando você era um zigoto escroto com o perdão da rima insuportável você não tinha sistema nervoso. Você não sentia. Se eu te furasse com uma agulha você se quer reagiria.
Oh, pobre zigoto indefeso que se quer consciência tem. Os cientistas pretendem usá-lo para começar pesquisas que realmente ajudariam o resto da humanidade que também já foi zigoto, usufruindo-se das suas células tronco. Matam você pra salvar os outros, vê se pode.
Ah, mas eu esqueci. Você, nessa época, não passa de uma célula que possui um DNA. Nem tem o que sentir, não é um ser humaninho de verdade (nem mesmo uma girafa ou um sapo ou que seja). É só uma célula que, talvez, com um pouco de azar, venha a nascer. E, portanto, a sua vida sendo descartada para salvar outras é algo completamente compreensível.
Não. Não quero seres humanos que ainda não são seres humanos e não tem consciência disso sendo mortos para salvarem outros seres humanos que já são seres humanos e tem consciência disso. Não quero, mesmo que as clinicas de inseminação artificial joguem montes de zigotos fora por falta do que fazer com os mesmos. Não. Não é justo explorar seres indefesos (e, nessa época, irracionais - apesar de eu achar que "nessa época" não é bem o termo certo) para que outros vivam. Não podemos simplesmente pegar um ser que ainda nem vive direito e usá-lo como bem entendermos, mesmo que ele vá morrer depois, ser jogado fora e fim.
Agora, com licença, vou comer um ovo que, coincidentemente, é um zigoto de galinha. Sabem como é, preciso me alimentar, sobreviver à custa de um ser que ainda nem se formou, mas tem todo o DNA de uma galinha. Ah, bom, ainda assim, a galinha também é utilizada para a sobrevivência e vocês não vêem elas fazendo passeata no meio da rua.
Elas nem costumam atravessar a rua, aliás.

Comentários

Unknown disse…
realmente, acredito eu, que no zigoto ja existe vida propriamente dita. Ja é um ser, indefeso, mas um ser.

e... é isso ae.

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