Não lhe imponho resistência.
Cá estou, um covarde a escrever e propor idéias finitas, preferencialmente corriqueiras e compreensível, sobre algo que costumam chamar de coragem. É como um professor de matemática que resolve em um súbito ímpeto corrigir todos os erros ortográficos das provas de seus alunos. É como alguém que se dispõe a ler um livro quando na verdade se quer suporta ver filmes legendados pela fadiga que lhe afeta as letras que aparecem juntamente com o som da voz do ator. É como alguém que não usa óculos resolver escrever um texto sobre os mesmos, coisa que já aconteceu aqui e, portanto, tem toda uma peripécia própria para se repetir em um caso necessário.
O caso necessário de que me trato é o fato de os covardes, pessoas como eu que em geral preferem a segurança que a fatalidade, normalmente agem com o objetivo de causar fatalidades para ver até onde mantém a segurança. Queremos, nós - e por "nós" me refiro à todos os covardes que concordam comigo - apenas avançar com cautela, de maneira prática, até onde o nosso bom-senso não alcança, até onde o limite da segurança se desfaz. Queremos, por mais covardes que sejamos, ir além do que esperamos em uma única e impiedosa tacada.
Por volta dos meus quatorze anos de idade, coisa de três anos atrás, eu era um covarde do tipo que, além de não dormir no escuro - coisa que eu prefiro continuar não fazendo, pra ser bem franco - tinha pavor de assistir algum filme de terror, visualizar imagens dos mesmos, ouvir narrações de amigos sobre as cenas, encarar algum tipo de trailer macabro e por aí vai. Um covarde que realmente não pretendia olhar seus medos de frente, até o momento em que, numa visita de um colega, este carregando um filme de terror para ser visto, resolveu que poderia ver o filme, talvez, de alguma forma. Eu decidi que seria interessante ver algo que não me agradasse, algo que eu sabia não conseguiria enfrentar. Eu decidi ver o filme.
O filme me transtornou. Era uma película realmente ruim, algum desses thrillers japoneses que ninguém tem medo, com personagens que, num ímpeto de assustar o espectador em qualquer momento que lhe apetecia uma calma, saltavam de armários, portas, moitas e todo outro lugar onde pudessem se esconder, com barulhos ensurdecedores e movimentos bruscos de câmera. Coisas clássicas e completamente previsíveis. Não vi o filme se quer até a metade.
Me arrependi profundamente de ter decidido enfrentar a questão de frente: não dormi montes de noites imaginando personagens pulando de trás de sofás e armários, fiquei com menos vontade ainda de ver outro filme de terror, por algum tempo, e, ainda por cima, me concluí um completo covarde inútil.
Demorou um bom tempo, algum sentimento de culpa, uma boa conversa com o bom-senso até eu resolver que não era tão ruim assim. Que não podia ser tão assustador quanto parecia, que tudo o que eu precisava era de tempo pra me acostumar com a idéia. Esse "um bom tempo" que me refiro no começo do parágrafo seria coisa de uma semana, pra eu decidir alugar outro filme de terror e dessa vez vê-lo por completo. Sozinho, e no escuro.
Senti-me realizado quando percebi que os mesmos efeitos do primeiro filme se continham nesse, e a coisa toda não parecia mais um bicho de sete cabeças que pretendia me ter para o almoço. Parecia-me, agora, uma grande cópia do mesmo outro filme, com apenas uma história um pouco mais mirabolante, uns personagens um pouco mais americanos e alguns sustos um pouco menos previsíveis. Nada que me impedisse de dormir a noite - com a luz acesa.
Venci, portanto, o medo. A covardia permaneceu e permanece, como parte da minha personalidade, uma característica da qual não consigo me livrar. Não consigo vencer o inesperado, mas quero realmente que ele venha até mim, para que eu possa correr com o rabo entre as pernas e depois vencê-lo quando a barreira da segurança me permitir.
Sou covarde, sim, até onde a curiosidade me permite.
Comentários
Medo medo e mais medo...
Mas os amigos tmb servem pra isso
xD
ME LIGA
xD
No celular
bjO